Colômbia

Colômbia: guerrilhas & drogas
A tragédia da Colômbia

 República da Colômbia (*) é um país que parece agonizante. Aparenta estar num estado terminal devorado internamente por um processo autodestrutivo, semi-autofágico, de difícil entendimento. Quase todas as forças políticas, quase todos os grupos e classes, e quase todos os interesses, internos e externos, estão em guerra uns contra os outros. A sociedade colombiana assemelha-se a cada dia que passa com o mundo lúgubre do filósofo Hobbes onde cada homem é o lobo do outro homem.

Tornou-se a Colômbia uma espécie de nação-pária, uma terra dos “intocáveis”, devido ao crescente poder que o narcotráfico adquiriu nos últimos anos na vida econômica, política e mesmo institucional (o presidente anterior, Ernesto Samper foi publicamente acusado de ter sido eleito com o dinheiro do narcotráfico). O nome Colômbia é hoje universalmente associado à ilicitude, à marginalidade, à delinqüência criminosa, e o cidadão comum, o infeliz colombiano, passou a ser apontado universal e injustamente como um potencial ou efetivo traficante de estupefacientes.

O atual presidente Andrés Pastrana, eleito pelo Partido Conservador, tenta uma última cartada para conseguir um acordo de paz com os movimentos guerrilheiros (que há 40 anos estão em guerra no país). Ao mesmo tempo que as reuniões de conciliação entre o governo Pastrana e as lideranças guerrilheiras se sucedem, entremeadas de ataques e de assassinatos, os Estados Unidos pressionam para que uma solução venha a ser tomada em breve. Fracassado tal política de pacificação, acredita-se, é bem provável que ocorra no futuro uma intervenção armada externa, articulada pelo governo norte-americano.

(*) A Colômbia possui 1.141. mil km2, uma área superior em extensão à Peninsula Ibérica e à França somadas. Geograficamente divide-se numa parte litorânea, banhada por dois oceanos, o Atlântico (Mar do Caribe) ao Norte, e o Pacífico ao Oeste; na região Andina onde se alinham três cordilheiras, a oriental, a central e a ocidental; e na área da floresta amazônica, que abarca quase 40% do seu território.

A atual República da Colômbia era parte até o início do século 19 do Vice-Reino da Nova Granada – uma subdivisão do Império Espanhol das Américas. Em 20 de julho de 1810 deu-se o início da luta pela independência com um levante em Bogotá, a capital do país. Logo depois, em 1819, fundaram-se as Províncias Unidas da Nova Granada – compostas pela Venezuela, pela Colômbia e pelo Equador -, cuja sobrevivência Bolívar garantiu pelas vitórias que alcançou sobre o exército colonial espanhol em Boyacá (em 1819 na Colômbia), em Carabobo (na Venezuela em 1821) e finalmente pela vitória em Pichincha (no Equador em 1822).

Bolívar: Simon Bolívar, El Libertador, o grande herói da independência sul-americana, tentou por todos os meios – inclusive lançando mão da ditadura ( entre 1828-30)-, manter este vastíssimo e diversificado território, composto pelos Andes, pelo litoral e pelas matas virgens da Amazônia, numa unidade política só. Os facciosismos separatistas e as ambições egoístas das oligarquias crioulas locais, terminaram por pesar mais e, gradativamente, quebrou-se a unidade original, ocorrendo a formação de outros estados independentes. Entre os anos de 1810 a 1850 o imenso Império Hispânico das Américas partiu-se como um espelho caído no chão, surgindo mais de 20 republicas.

Santander: a personalidade dominante no cenário político emancipacionista colombiano foi o general Santander, ex-vice-presidente de Simón Bolívar, que liderou o pais até 1840, ano da sua morte. Desaparecido o homem-forte, o poder passou a ser disputado pelos dois partidos majoritários da oligarquia: o Partido Liberal e o Partido Conservador (que existem até hoje e que continuam a reservar para si o poder político). Trata-se a Colômbia de um caso único na América Latina. Partidos fundados no século 19 ainda dominam o sistema político e eleitoral de um país.

A história da Colômbia, é – mais do que nenhum outro país latino-americano -, a história da violência. A rivalidade partidária entre os dois grandes conglomerados oligárquicos, o liberal e o conservador, têm-se traduzido em guerras e matanças sem fim. A chamada “ Época da Guerra Civil” que se arrastou de 1863 a 1880, foi sucedida pela “Guerra dos Mil Dias”, de 1899 a 1903, provocando a morte de 60 a 130 mil vítimas. Foi este estado, de quase permanente e inexplicável autodestruição, que o novelista Gabriel Garcia Márques, prêmio Nobel de Literatura, tornou pano de fundo não só do seu clássico livro “Cem anos de Solidão” como da grande parte das suas outras histórias.

O Bogotazo: no século 20 a violência não amainou. Perseguições políticas acompanhadas de chacinas foram comuns. Nem mesmo as medidas reformistas tomadas pelo Presidente Alfonso López adotadas na década dos anos trinta, no sentido de dar garantias às terras dos camponeses, amainou o confronto. Há pouco mais de 50 anos passados, em 1948, a Colômbia presenciou talvez uma das mais terríveis anarquias urbanas da história moderna: o Bogotazo. Milhares de habitantes da capital se amotinaram, saindo às ruas tomados de um inconcebível furor, vandalizando quase tudo a sua passagem, em protesto contra o assassinato do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán. Este crime político, cujos tumultos deram um prejuízo de 570 milhões de dólares, desencadeou outra onda de barbarismos que se estendeu, com alguns intervalos, por mais 14 anos, até 1962. Época, com toda a razão, chamada de La Violencia.

La Violencia: a anarquia sanguinária – calcula-se que provocou 200 mil mortes! – só foi contida aos poucos pela ditadura do General Rojas Pinilla em 1953. Em 1957, deposto o ditador, uma junta governativa , a Frente Nacional, organizou uma trégua entre os dois partidos, o liberal e o conservador. Representados por Camargo e Gomes, acertaram um estranho mas compreensível acordo: a Declaração de Sitges.

A conciliação oligárquica: segundo os grandes caciques partidários, para evitar uma nova recaída na violência popular (uma nova onda de matanças de rua) ou na violência institucional ( um retorno à ditadura), celebraram um acordo em que a presidência da república seria alternada, ora ela seria assumida por um liberal, ora por um conservador, fazendo com que o mesmo pacto fosse aplicado eqüitativamente nas demais instâncias do poder, nos ministérios e governos departamentais. Situação esta que se prolongou por 16 anos, até 1974.

O lado negativo da conciliação oligárquica foi desautorizar e desmoralizar o voto popular. De que servia ao povo participar de eleições onde previamente já se sabia quem empalmaria o poder? Isto conduziu a Colômbia a apresentar os mais elevados índices de abstenção eleitoral do continente.

A ausência do partido popular: é também marca da política colombiana a inexistência de um partido popular, com claras inclinações ideológicas e sociais – como o foram, por exemplo, o Partido Justicialista (PJ) na Argentina de Perón, ou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) criado por Getúlio Vargas no Brasil, ou ainda uma agremiação da dimensão do dos socialistas chilenos, todos eles comprometidos com a reforma social e trabalhista. Esta falta de uma válvula de escape partidária faz com que as reivindicações sociais expludam em grandes fúrias e rebeliões das multidões nas cidades, ou busquem o caminho das guerrilhas, das emboscadas e das matanças no mundo rural. Agrega-se ainda , como combustível para a violência endêmica, o mau costume da elite colombiana de recorrer aos assassinatos de encomenda, à pistolagem, como método regular de eliminação dos adversários da vida política.

Independente da existência hoje dois grandes grupos guerrilheiros em atividade na Colômbia, a FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e a ELN (Exército de Libertação Nacional), é um fato histórico a sobrevivência do bandoleirismo nas regiões rurais mais afastadas. Resultado este, o banditismo social, do infeliz convívio de um latifúndio em expansão com uma guerra civil permanente. Desde o século passado, e ainda em tempos bem mais remoto, bandos armados viviam de assaltos e de pilhagens das fazendas, minas e dos vilarejos do interior. Pode-se considerá-los, a tais bandos, como uma espécie de resistência arcaica, de origem agrária e indígena, reagindo ao domínio do governo colonial espanhol, e depois à hegemonia do crioulo colombiano (branco de origem ibérica), configurada nos dois grandes partidos governantes.

FARC/ ELN: o primeiro deles, a FARC – liderado por Tirofijo, o mais antigo chefe guerrilheiro ainda em atividade -, surgiu em 1959, inspirado da vitoria de Fidel Castro em Cuba. Foram os comunistas colombianos quem o organizaram, estimando o número dos seus combatentes em 22 ou 25 mil guerrilheiros. O segundo desses movimentos, o ELN, veio um pouco depois e sua inspiração é guevarista. Cada um deles a seu modo são tributários da teoria foquista que visa chegar ao poder não pelos procedimentos democráticos mas pela luta armada revolucionária. Até uns dez anos atrás seus recursos vinham das pilhagens, dos seqüestros (a Colômbia é recordista mundial nesta nefanda prática), dos confiscos forçados e das taxas de proteção cobradas às empresas e aos fazendeiros.

O fim das bandeiras: a queda do muro de Berlim, e o desaparecimento do Bloco Socialista em 1989, alterou-lhes a perspectiva. Muitos ex-guerrilherios resolveram voltar à vida civil e participar da política partidária. Outro agrupamento, o M-19, formado pelos partidários do ex-ditador Rojas Pinilla ( o equivalente colombiano dos Montoneros peronistas na Argentina), que tentou a via eleitoral, teve seus militantes assassinados pelos paramilitares da extrema direita. Mais de mil deles foram abatidos.

Paramilitares: negou-se assim com essas mortes em série a possibilidade dos ex-guerrilheiros integrarem-se na política convencional, como ocorreu com os sandinistas na Nicarágua e com os ex-integrantes da Frente Farabundo Martí em El Salvador. Foram bloqueados pela reação brutal dos esquadrões de extermínio. Esses grupos, os paramilitares, sabe-se que são formados por ex-oficiais e ex-policiais a serviço de fazendeiros e outros endinheirados, e, tudo indica, contam com a simpatia de setores das Forças Armadas colombianas, que os têm como uma força auxiliar informal na luta anti-guerrilheira. Atribui-se a eles a maioria das mortes por encomenda que tem ocorrido no país ( três candidatos à presidência foram até agora assassinados)

A aliança com o narcotráfico: no desencanto geral entre as esquerdas que se seguiu à fórmula revolucionária na década dos noventa (a estagnação econômica e política de Cuba, a derrota eleitoral dos sandinistas na Nicarágua, e a pouca expressividade dos zapatistas em Chiapas, no México), a guerrilha colombiana perdeu o rumo. Virou uma nau sem bússola e sem direção. Isolaram-se ainda mais ficando nas selvas, encerradas nas regiões que de certo modo controlavam anteriormente. Aproximaram-se então do narcotráfico, servindo de milícia protetora das áreas do plantio da folha de coca espalhadas nas clareiras da floresta, ou exigindo tributos dos camponeses seus produtores.

Numa cínica declaração de um dos comandantes guerrilheiros, justificando a inaceitável e imoral associação entre os ideais socialistas e o sórdido negócio da cocaína, disse que promover o tráfico era continuar a luta antiimperialista por outros meios, visto que a maior parte da droga é consumida pela juventude norte-americana, debilitando assim o eterno inimigo a ser combatido. Vivem eles também da extorsão, pela prática de continuados seqüestros de empresários e de seus familiares, bem como de gerentes ou executivos de empresas nacionais ou multinacionais que atuam na Colômbia. Recorrem pois às velhas práticas do endêmico banditismo colombiano, que nunca morreu de verdade naquela sociedade.

A força e a sobrevivência da guerrilha deriva da função que elas assumiram nos últimos dez anos: ser a milícia protetora do complexo da cocaína (zonas de plantio, as vias terrestres de tráfego e os aeroportos utilizados pelos traficantes), situado geograficamente na parte da amazônia colombiana, região de difícil acesso, quase despovoada, com 400 mil km2 de extensão. O seu epicentro é o departamento de Guavira e sua cidade principal São José de Guavira, é tida como a capital da cocaína colombiana. Uma das suas tarefas é garantir a inviolabilidade dos territórios da coca para que seus carregamentos possam ser negociados pelos dois poderosos cartéis do narcotráfico: o de Cali e o de Medelin.

A Colômbia tornou-se a principal fornecedora da cocaína (um alcalóide derivado das folhas de coca, uma planta denominada Erythroxylon coca) para o mercado norte-americano a partir do final dos anos 70, quando os Estados Unidos retiraram-se do Sudeste Asiático após sua derrota no Vietnã em 1975. Até então os usuários e viciados consumiam – particularmente a heroína -, em sua maior parte, do Triângulo de Ouro (formado pela Birmânia, atual Mianmá, a Tailândia e o Laos), onde os produtores chegaram a contar com a proteção especial de Khun Sa, cognominado o “príncipe da Morte”, chefe de um exército particular, o Mong Tai Army. A heroína vinha também das plantações de papoula da Anatólia turca, do Afeganistão e demais regiões da Asia Menor.

A Colômbia concorre com a Ásia: os traficantes colombianos aceleraram o aumento da produção de cocaína na Colômbia, como no vizinho Peru, para ocupar o espaço aberto pela produção oriental. Calcula-se que o negócio internacional da droga gire hoje ao redor de um trilhão de dólares (8% do comercio global, superior as exportações mundiais de ferro, de aço e de motores de automóveis), cabendo à Colômbia o fornecimento de 80 a 85% da cocaína consumida nos Estados Unidos.

A droga nos Estados Unidos: o uso de drogas na América, por sua vez, resultou de uma mudança de costumes, fazendo com que o mercado consumidor norte-americano se tornasse no maior e mais ávido por drogas no mundo inteiro. Nos anos 20 a grande preocupação das campanhas moralistas era o combate às bebidas alcóolicas, fazendo aprovar a Lei Seca que proibiu o seu consumo em todo o território dos Estados Unidos, até ser revogada em 1933. O Movimento Hippie dos anos 60 – a década do Sex, drugs and rock and roll -, resultante da profunda crise moral e ética provocada pela intervenção norte-americana numa guerra extremamente impopular, fez com que a recorrência à droga fosse entendida por amplos setores da classe média e dos intelectuais – especialmente pelos ideólogos da contra-cultura -, como uma contestação à sociedade em que viviam. Da maconha, um fumo proletário de iniciação, foi um salto para excitantes mais pesados, como a “burguesa” cocaína, e a “aristocrática“ heroína.

A religião química: naquela década tormentosa e desafiadora um catedrático de Harvard, o professor Thimoty Leary, dedicou-se a fazer apologia do uso do LSD (o ácido lisérgico), um poderosíssimo agente alucinógeno, iniciando o “drug cult” entre a elite literária e artística e mesmo empresarial dos Estados Unidos. Thimoty foi um seguidor de Aldous Huxley, um escritor inglês que vivia nos Estados Unidos, que no seu livro “The Doors of Perception”, (As portas da percepção, 1954), relatou suas “viagens” com a mescalina, recomendando as drogas como uma “religião química”, para aqueles “que, por alguma razão, não conseguiam transcender a si mesmos por seus meios ou pela veneração”.

As Leis Anti-droga: a legislação norte-americana de combate as drogas data do início do século 20. A Lei Harrison contra os narcóticos é de 1914. Foi complementada tempos depois pela Lei do controle sobre as drogas narcóticas de 1956, e pela Emenda de controle sobre o abuso de drogas de 1965 ( Drug Abuse Control Amendment). A mais recente delas é a Anti-drug Mesure de 1987, que fixou penas severíssimas mesmo para a maconha. Nada serviram porém a não ser para punir com prisão, com penas cada vez mais elevadas, os envolvidos no tráfico.

As drogas como costume: uma das razões da persistência do seu consumo é que as drogas foram incorporadas à rotina de quase todas as classes sociais. Seus usuários pretextam utilizá-las devido a sociedade norte-americana resultar de um capitalismo ultra-competitivo que a torna cada vez mais atomizada, individualista, egocêntrica e narcisista.

Usam cocaína, especialmente os gerentes e executivos, para se sentirem capazes de superar a letargia e o cansaço, habilitando-os a concorrer, como um estimulante para render o máximo possível. E, é claro, como um imaginário equilíbrio psicológico qualquer, mesmo que isso implique em arriscar-se à dependência, ao vício , à violência e às atitudes anti-sociais. Hábito este que chegou até a plebe norte-americana, o povo slum dos subúrbios das grandes cidades, que encontrou no proletário crack, uma maneira de acompanhar o modismo.

Disto resulta, desta infeliz democratização do consumo de estupefacientes, que as apreensões das remessas de drogas, apesar dos enormes gastos feitos pelos E.U.A – 20 bilhões de dólares entre 1980/90 – terem sido pouco significativas. Calcula o General Accounting Office do Congresso dos E.U.A que, das 780 toneladas métricas da produção mundial de cocaína, somente 230 (ou 29,5%) delas foram capturadas. No caso da heroina o desempenho foi ainda menor: das 300 toneladas métricas produzidas, só 32 delas foram apreendidas.

A caça ao traficante: incapaz de solucionar o problema, a política oficial norte-americana voltou-se para responsabilizar os narcotraficantes e os produtores das drogas. Aos hispânicos, a gente latina em geral, a quem os americanos desprezam. Assim a Colômbia, além de receber um conceito negativo que o governo norte-americano atribui todos os anos aos países que estão envolvidos com drogas, tornou-se o centro da vilania e uma ameaça aos valores universais permanentes.

Os privilégios do narcotráfico: esta pecha lançada sobre a Colômbia, de ser conivente com os criminosos, reforçou-se ainda mais depois que o governo local concedeu – em troca da lei anterior que determinava a extradição dos condenados pelo narcotráfico, os barões da coca, para os Estados Unidos -, que eles cumprissem pena na Colômbia em condições especialíssimas. Pablo Escobar, o mais conhecido dos traficantes, considerado o cápo dos cápos, foi detido num casarão-fortaleza construído somente para ele. Mesmo assim, insatisfeito, ele fugiu da prisão, sendo morto tempos depois numa perseguição policial. Até então ele tinha sido o principal responsável por uma onda de assassinatos visando juízes, promotores e políticos colombianos que combatiam o narcotráfico, fazendo com que o estado fosse abertamente enfrentado por uma avalanche de atentados à bombas e mortes por encomenda.

Os Estados Unidos e a Colômbia

“Dizer que a Colômbia é uma potência responsável com a qual podemos tratar como fazemos com a Holanda, Bélgica, Suíça ou Dinamarca é um absurdo. Neste momento a analogia que podemos estabelecer é com um grupo de bandidos, sicilianos ou calabreses ou ainda com Pancho Villa.” – Th.Roosevelt, Presidente dos EUA, 1903

A Colômbia juntamente com o México tem um relação atormentada com os Estados Unidos. São os dois países latino-americanos que mais foram mutilados pelos interesses expansionistas da grande potência do Norte. O México foi obrigado, depois da derrota na Guerra Mexicano-americana de 1846, a entregar mais de um milhão de km2 aos americanos ( os atuais estados do Texas, a Califórnia, o Novo México e o Arizona), enquanto que a Colômbia teve que assistir impotente os Estados Unidos promoverem em 1903 um levante separatista no então departamento do Panamá. Vitorioso o movimento, graças ao apoio providencial dos fuzileiros navais americanos, a independência panamenha redundou na completa separação da Colômbia e na entrega da atual Zona do Canal para que ali os americanos construíssem, com direitos perpétuos, uma “avenida da civilização” como o Presidente Theodor Roosevelt chamou o canal. Mesmo que os americanos oferecessem mais tarde uma indenização de 25 milhões de dólares ao governo colombiano, a cicatriz da nacionalidade ferida pela política do Big Stick de Theodor Roosevelt, ficou exposta até os dias de hoje.

A violência dos narcotraficantes: num primeiro momento, na história das relações mais recentes entre o governo americano e o colombiano, os Estados Unidos convenceram um dos presidentes a fazer com que os condenados pelo narcotráfico cumprissem pena nas cadeias americanas. O resultado foi trágico. Os traficantes rebelados, revivendo os dias terríveis de La Violencia, atacaram as instituições governamentais, chegando a assassinar até o Ministra da Justiça do país. Agora a situação prenuncia uma ação direita por parte dos Estados Unidos.

A preocupação estratégica: no crescente avolumar da retórica intervencionista, existe uma motivação de ordem mais ampla. Os grupos mais conservadores dominantes no Senado e no Pentágono norte-americano nunca se conformaram com o Tratado Carter-Torrijos, assinado em 1977, que comprometeu os Estados Unidos a devolver em etapas a Zona do Canal para os panamenhos. Temem os americanos retirar-se de uma área estratégica – o controle sobre a Zona do Canal – num momento de recrudecimento das atividades guerrilheiras na Colômbia. Esta é talvez a razão principal – ocultada pelo pretexto de combater o narcotráfico – dos agentes do governo dos Estados Unidos, tanto dos generais americanos vinculados ao Pentágono como o chefe do Departamento anti-drogas (DEA), o general Barry McCaffrey, estarem pressionando os governo latino-americanos, vizinhos ou não da Colômbia, a assumirem um ocupação colegiada da Colômbia no futuro próximo.

Uma intervenção coletiva: os americanos têm em mente uma operação similar a que patrocinaram, sob os auspício da OEA, em 1965, na ocupação da Republica Dominicana, quando evitaram a ascensão ao poder de um governo pró-esquerdista. Operação que contou então com o pronto apoio da ditadura militar brasileira, que recém assumira o poder. O trabalho deles, dos agentes norte-americanos, resume-se em transformar as preocupações do seu país (a luta contra a droga e o problema estratégico da Zona do Canal), num problema geral dos latino-americanos, ou pelo menos dos sul-americanos. Conseguido tal objetivo os Estados Unidos não precisariam assumir os desgastantes custos, morais e materiais, de uma intervenção militar direta na Colômbia, arriscando-se com suas tropas a reproduzir, ainda que palidamente, um novo Vietnã nas florestas da amazônia.

Bibliografia
Bethel, Leslie ed. – Historia de América Latina: la independencia, Cambridge University Press -Editorial Critica, Barcelona, 1991

Beyhaut, Gustavo e Hélène – América Latina: de la independencia a la Segunda Guerra Mundial, Siglo XXI Editores, México, 1985

Gerstle, Mack – La Tierra Dividida, Editoral Universitaria, Panamá, 1978

Schilling, Voltaire – EUA versus América Latina: as relações da dominação Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984

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